Andar calçado ou descalço remete-nos para a condição social e económica de quem o usa, facto que acompanha a humanidade desde os tempos mais remotos.
Neste texto não vamos referir-nos à forma de calçar ao longo dos tempos, mas sim dar a conhecer como era andar descalço ou calçado, no século XX, em Cabeceiras de Basto na área rural.
Divagando nas suas lembranças, Dídia Pereira, nascida em 1928, natural e residente na freguesia de Outeiro (atualmente denominada como União de freguesias de Outeiro, Refojos e Painzela), do concelho de Cabeceiras de Basto, recorda o modo de calçar desde o seu tempo de meninice.
Por volta de 1936, com 8 anos de idade, usava umas alpercatas (calçado tosco, feito de pano, cozido a uma sola de corda ou de borracha). Mas, só em dias de sol, porque com a chuva ficavam todas encharcadas. Usava-as principalmente para ir à missa ou à feira. Normalmente na terra havia sempre um habilidoso que fazia este tipo de calçado, lembra-se de haver um desses artistas no lugar da Raposeira, freguesia de Refojos, concelho de Cabeceiras de Basto.
Já Joaquim Teixeira de Magalhães, nascido em 1938, na freguesia de Cavez, concelho de Cabeceiras de Basto, lembra o uso das alpercatas com sola de corda, na sua Primeira Comunhão, feitas na altura por uma senhora idosa chamada Carminda, do lugar de Ribeiro do Arco, Cavez.
Durante os dias de semana era usual andar-se descalço, quer fosse de verão ou inverno. Quando necessário eram usadas socas (calçado feminino) ou socos (calçado masculino), nomeadamente, para ir à missa, às feiras ou em dias de chuva.
Mais tarde, por volta de 1948, as mulheres, em dias festivos, costumavam ir às festas e à missa calçando umas chinelas, chamado calçado domingueiro ou de festa. A nossa informante usava umas chinelas em camurça com uma sola fina.
Os tempos não eram fáceis… Fartura não havia, e os recursos eram parcos, e tal como noutras coisas, também se poupava no calçado. Dídia Pereira recorda, sem conseguir precisar datas, os tempos em que se ia a pé, descalça, às festas e romarias, com as chinelas na mão, calçando-as somente quando chegavam ao local do festejo. Este era o modo de não romper com tanta facilidade a sola fina das chinelas.
Na década 30 do século XX, Dídia Pereira, ia a pé de socas calçadas para Fafe com um cesto à cabeça, onde levava fruta (maçãs, cerejas) ou açúcar para vender. Contudo, nos terrenos mais íngremes, para conseguir andar mais depressa, ou então nos dias de inverno, de geada e neve, para não escorregar, descalçava-se e guardava as socas no seu cesto da mercadoria.
O uso do pé descalço foi caraterístico no mundo rural no norte de Portugal, mas começou a decair aos poucos, a partir da primeira metade século XX (aí por volta da década de 30).
O hábito de andar calçado quotidianamente começou pelas cidades e mais tarde espalhou-se às vilas, dada a proibição, imposta por lei durante o Estado Novo, de andar de pé descalço. No entanto, no mundo rural as populações mantiveram o uso do pé descalço durante muito mais tempo.
Estes homens e mulheres cresceram numa realidade que se mostrava dura e áspera (a qual hoje nos parece estranha…), mas que mantêm viva na sua memória. As suas histórias de um tempo que já lá vai, e que eles têm gosto em partilhar, permitem-nos conhecer as vivências e os usos de outras décadas.
(FM)
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